A capacidade de distinguir microrganismos estranhos das células hospedeiras é crucial para evitar danos localizados prejudiciais à auto-inflamação durante uma resposta inflamatória. No entanto, existe um conjunto raro de doenças crónicas em que as células imunitárias começam a visar e a danificar as células e tecidos hospedeiros. Quando as células adaptativas quebram a auto-tolerância, a condição resultante é caracterizada como Auto-imunidade, onde as células hospedeiras nativas são reconhecidas como estranhas e as células imunitárias adaptativas têm como alvo a sua destruição. Quando as células imunes inatas são activadas, devido à secreção desregulada de citocinas pró-inflamatórias e aos consequentes danos nos tecidos do hospedeiro, é denominada Autoinflamação (Figura 1).
Figura 1: O espectro Autoinflamação/Auto-imunidade das doenças e dos seus mecanismos imunitários. TRAPS: Síndrome periódica associada ao receptor TNF, FCAS: Síndrome autoinflamatória do frio familiar, HIDS: Síndrome de hiperimunoglobulinemia D, IPEX: Síndrome de enteropatia por enteropatia hiperinflamatória ligada ao X.
O conceito de doença autoinflamatória foi introduzido para distinguir um conjunto de doenças auto-imunes inflamatórias dominantes de doenças auto-imunes auto-dirigidas. Estas condições genéticas foram anteriormente classificadas como auto-imunes mas não têm envolvimento de células imunitárias adaptativas, pelo que o termo autoinflamatório foi cunhado. A imunopatogenia das doenças autoinflamatórias envolve a ruptura de vias cruciais pró-inflamatórias citocinas, como o fator de necrose tumoral (TNF) ou a Interleucina-1β (IL-1β). A mutação subjacente no TRAPS está localizada dentro do gene receptor do TNF1, fazendo com que a via se torne constitutivamente ativa. A secreção de IL-1β depende do inflammasoma NLRP3, um complexo intracelular de proteínas adaptadoras, para clivar pro-IL-1β em sua forma ativa. Em condições como FCAS, há uma mutação subjacente no gene NLRP3, causando altos níveis de IL-1β e IL-18 ativos a serem clivados e secretados. Essas mutações em células imunes inatas, como monócitos e neutrófilos, levam a níveis sistemicamente elevados de citocinas pró-inflamatórias, criando assim um ciclo de feedback positivo de inflamação exacerbante.
Graças à elucidação e classificação dessas condições, os cientistas desenvolveram imunoterapias para reduzir a quantidade de TNF e IL-1β circulantes. Esses medicamentos, como etanercept e anakinra, respectivamente, são capazes de ligar e sequestrar essas citocinas. O bloqueio de citocinas aberrantemente secretadas alivia os sintomas inflamatórios sistêmicos que indivíduos com síndromes autoinflamatórias têm que suportar, como febre, erupções cutâneas, dores abdominais, conjuntivite e sensibilidade ao frio (FCAS).