Quando lemos 1 Coríntios, estamos literalmente lendo o correio de outra pessoa – neste caso, uma carta enviada em 55 d.C. por Paulo para “a igreja de Deus que está em Corinto” de Éfeso (1 Coríntios 16:8), alguns anos depois de ele ter fundado a igreja (ver Atos 18:1-17).
Corinto era uma cidade estrategicamente localizada em um planalto no extremo oeste do Istmo de Corinto, uma faixa de terra de quatro milhas de largura que uniu o continente da Grécia ao Peloponeso, uma grande protuberância de terra que se adentra no Mar Mediterrâneo. No tempo de Paulo, controlava o comércio tanto na estrada que passava por ele como (especialmente) via marítima nos seus dois portos marítimos (um ao norte, outro ao sul). Era um próspero centro econômico habitado por pessoas de todo o mundo mediterrâneo. Como as cidades portuárias ao longo da história, a cidade também tinha uma reputação de vício, tanto que alguns abanavam o verbo korinthiazesthai, que significava “fornicar”. Embora as reputações possam ser exageradas, é provavelmente o caso de Corinto ter sofrido com os desafios morais que caracterizam muitas cidades portuárias com muito dinheiro e populações transitórias, muitas das quais estavam longe de casa.
A leitura deste domingo inclui a saudação (1:1-3) e a ação de graças (1:4-9) da letra, ambas partes padrão da antiga forma de letra. O objetivo é colocar mesa para uma carta destinada a desafiar a igreja de Corinto a viver fielmente no contexto de uma cidade (e de uma cultura mais ampla) que tornava difícil viver fielmente diante de Deus. De fato, a carta aborda uma variedade de questões que estavam perturbando a igreja fraturada de Deus em Corinto. As divisões dentro da comunidade eram evidentes em muitos detalhes da vida da comunidade, incluindo, por exemplo, a adesão a diferentes líderes humanos (veja 1:10-17), diferentes julgamentos sobre o que Paulo via como o comportamento sexual escandaloso de uma pessoa significativa na igreja (5:1-13), membros da igreja processando-se mutuamente em tribunais públicos (6:1-8), o tratamento desigual de pessoas de status mais alto e mais baixo na celebração da refeição comum (11:17-22), e diferentes julgamentos sobre os dons do Espírito e práticas no culto comunitário (12:1-14:40).
No início do que se revelará uma carta às vezes difícil que desafia profundamente sua audiência coríntia, Paulo lembra a igreja de coisas que Deus tem feito por eles. Primeiro, Deus as chamou. Eles têm sido “santificados em Cristo Jesus, chamados a serem santos”. As palavras “santificados” e “santos” (ou “santos”) são palavras relacionadas em grego, ambas se referem ao tema da santidade que impregna a Escritura. Ser “santo” é ser separado das coisas mundanas para um propósito especial e divino. A santidade é prática e molda todos os aspectos da maneira de viver dos “santos”. Ao longo do Antigo Testamento, Deus deseja que Israel seja diferente dos povos que os rodeiam e se engaje em práticas e se localize dentro de uma narrativa que marque essa diferença. É o mesmo no Novo Testamento, no qual a igreja é chamada a ser diferente da cultura que nos rodeia. Mais adiante na passagem, Paulo observa que a igreja de Corinto é chamada não apenas “fora” do mundo, mas “dentro” da comunidade: eles foram “chamados à comunhão de filho, Jesus Cristo nosso Senhor” (1:9). Fidelidade, parece, é um esporte coletivo que requer a unidade da igreja.
Não somente os coríntios foram chamados à santidade e à comunidade, eles também foram equipados extravagantemente para a tarefa. Foi-lhes dada a graça de Deus (1:4). Eles foram enriquecidos em Cristo (1:5). O testemunho de Cristo tem sido fortalecido entre eles (1:6). Não lhes faltam dons espirituais (1:7, uma reivindicação irônica, dados os problemas que Paulo aponta em sua experiência dos dons no capítulo 12). Como pode ser visto até mesmo em uma leitura superficial de 1 Coríntios, ser separado para Deus e um para o outro tem sido e continua sendo difícil para os Coríntios. Mas Deus lhes tem dado os meios para esses fins. E Paulo espera que eles usem esses meios.
Uma parte final importante desta passagem é o contexto em que tanto o chamado quanto o equipamento dos Coríntios faz sentido: é um contexto escatológico. Esse é o ponto de 1:7, 8, no qual Paulo nota que eles “(avidamente) esperam a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo”, e que Deus “se fortalecerá até o fim para que seja irrepreensível no dia do Senhor Jesus Cristo”. Paulo pensa que a vida comum da igreja em Corinto faz sentido especialmente quando é vista como apontando para a presença escatológica de Cristo, e que esta esperança escatológica tem ramificações éticas para a igreja. À luz da aproximação do dia do Senhor Jesus Cristo, Deus os fortalece, ajudando-os a serem irrepreensíveis.
O truque de ler o correio de outra pessoa – neste caso, o dos coríntios – é encontrar pontos de contato entre nós e essas pessoas em um lugar distante e há muito tempo atrás. Apesar dos pontos óbvios de descontinuidade entre nós e eles (por exemplo, tempo, distância, cultura, etc.), há muitos pontos de continuidade. A igreja em nossos dias (ou em nossa cidade), como aquela em Corinto, tem sido chamada por Deus. Nós, como os coríntios, temos sido extravagantemente equipados para uma vida fiel. Nós, como os coríntios, vivemos no meio de uma cultura que faz da fidelidade um desafio moral e intelectual. Nós, como os Coríntios, estamos (ou devemos estar) comprometidos com a verdade e o poder modelador da vida do Evangelho de Jesus Cristo, que coloca nossas vidas no mundo em um contexto que ajuda a vida fiel a fazer sentido. E nós, como os Coríntios (suspiramos!), rotineiramente ficamos aquém das expectativas do Evangelho e precisamos ser chamados a uma vida fiel maior e mais difícil (e talvez mais criativa).
A passagem de hoje é uma passagem esperançosa que enfatiza o chamado e a provisão de Deus, e assume que é, de fato, possível viver uma vida santificada no meio de uma cultura não santificada. Esta é uma boa mensagem para o período da Epifania, no qual os cristãos celebram a revelação de Cristo ao mundo.