Rotação Mental
Shepard & Metzler (1971) introduziu o conceito de rotação mental na ciência cognitiva com o que se tornou uma das experiências mais conhecidas no campo. Esta fama pode, em parte, dever-se ao facto de a experiência estar associada a um conjunto de imagens gráficas memoráveis (por exemplo, a figura 1), algumas das quais chegaram à capa do número de Science onde foi publicada pela primeira vez. No entanto, é também uma experiência notavelmente elegante, que produziu alguns resultados surpreendentemente claros. As descobertas pareciam refutar diretamente a doutrina do Comportamento, que ainda prevalecia entre os psicólogos da época, de que os processos de pensamento dependem inteiramente da linguagem. Ao sugerir que as representações analógicas têm um papel importante a desempenhar no pensamento, os achados também levantaram dificuldades prima facie (embora não necessariamente intransponíveis) para o modelo (digital) computacional da mente que estava no coração do recém emergente campo da ciência cognitiva (Block, 1983a).
Figure 1
Someadamente dos pares de figuras de estímulos usados por Shepard & Metzler (1971).
A- Objetos idênticos diferindo por uma rotação no plano da página
B – Objetos idênticos diferindo por uma rotação em profundidade
C – Objetos de imagem-espelho (também rodados em profundidade)
Shepard & Metzler apresentou seus sujeitos com pares de desenhos de conjuntos tridimensionais e assimétricos de cubos, como mostrado na figura 1 A, B, e C. Em cada par, a figura à direita ou mostrava um assemblage idêntico ao mostrado à esquerda, mas girando a partir da posição original por uma certa quantidade, ou então mostrava um assemblage que não só era girado, mas também era a imagem espelho do que estava à esquerda (figura 1 C). A tarefa experimental era dizer, o mais rápido possível (pressionando um botão) se os dois objetos representados eram de fato idênticos (exceto para rotação), ou se eram imagens espelhadas. A hipótese de Shepard era que a tarefa seria feita formando uma imagem mental tridimensional de um dos objetos retratados, e girando toda essa imagem, na imaginação, para ver se ela poderia ser trazida em correspondência com a outra imagem. Os resultados experimentais apoiaram claramente esta ideia, pois verificou-se que, para cada sujeito, o tempo necessário para confirmar que ambos os objectos de um par eram, de facto, idênticos, aumentou em proporção directa com a diferença angular rotacional entre eles. Era como se os sujeitos estivessem a rodar a sua imagem mental a um ritmo constante (embora isto pudesse ser diferente para cada sujeito), de modo que quanto mais longe tivessem de ir para fazer corresponder a sua imagem à imagem de referência, mais tempo levaria. No interrogatório pós-experimental, a maioria dos sujeitos confirmou que era assim que eles acreditavam que tinham feito a tarefa. (Curiosamente, não fazia diferença se a rotação estava no plano da página, ou em profundidade)
Embora a elegância desta experiência, e os resultados claros (belos gráficos lineares de tempo de reação contra o ângulo rotacional), a interpretação de Shepard como evidência de processos irredutivelmente analógicos e intrinsecamente espaciais no pensamento, e para o que ele chamou de “isomorfismo de segunda ordem” entre imagem e objeto (Shepard, 1975, 1978b, 1981, 1984), certamente não foi inquestionável. Alguns pesquisadores desafiaram a alegação de Shepard de que seus resultados mostram que as imagens são giradas como um todo, ao invés de suas partes serem comparadas de forma fragmentada (Hochberg & Gellman, 1977; Pylyshyn, 1979a; Yuille, 1983). Mais radicalmente, alguns têm duvidado se a tarefa de rotação realmente envolve imagens (Marks, 1999). Afinal, ao contrário dos experimentos com a mnemônica das imagens, os sujeitos nunca foram explicitamente aconselhados a usar imagens na realização da tarefa de comparação, e explicações alternativas do resultado (ou seja, a relação linear entre o tempo de reação e o ângulo de rotação) são concebíveis. Por exemplo, Just & Carpenter (1976; Carpenter & Just, 1978), que rastreou os movimentos oculares dos sujeitos enquanto eles faziam uma versão da tarefa Shepard & Metzler, argumentou que o aumento linear no tempo de reação não surgiu da rotação interna de uma imagem, mas da necessidade de fazer mais movimentos oculares entre as duas imagens (a fim de comparar suas características) quanto mais eles eram girados um em relação ao outro. Na cultura iconofóbica que ainda prevalecia na psicologia no início dos anos 70, tal interpretação “sem imaginação” dos resultados ainda era uma opção muito viva. Naturalmente, isso significava que qualquer reivindicação dos sujeitos a ter formado e rodado imagens mentais tinha que ser descontada, mas o Comportamento há muito tempo tinha ensinado psicólogos a dar muito pouco peso a este tipo de dados subjetivos, introspectivos.
No entanto, o caso da rotação mental não se baseia apenas nesta experiência celebrada. Shepard e seus alunos (especialmente Lynn Cooper) foram posteriormente capazes de demonstrar a rotação mental e outros efeitos relacionados em vários desenhos experimentais diferentes (ver Shepard & Cooper et al., 1982), em sua maioria desenhados para bloquear interpretações alternativas dos resultados que evitariam a necessidade de postular a rotação de imagens. A maioria destes outros experimentos não envolveu a comparação de duas imagens simultaneamente visíveis, não deixando, portanto, qualquer margem para o tipo de explicação do movimento dos olhos que Apenas & Carpenter tinha sugerido. Por exemplo, Cooper & Shepard (1973) apresentou aos seus sujeitos uma letra do alfabeto rodada fora de sua orientação normal e vertical, e pediu-lhes, novamente, para indicar se a letra estava em sua forma normal ou em sua imagem espelhada (para trás) (ver figura 2).Mais uma vez o tempo de resposta foi encontrado para aumentar quanto mais a letra de estímulo foi rodada de vertical (embora, por razões que não precisam nos deter, a relação não foi tão linear como no experimento anterior). A explicação implícita é que os sujeitos roturavam sua imagem da letra não direita que lhes é mostrada em sua orientação canônica vertical, a fim de compará-la com sua memória de como a letra normalmente seria.
Figure 2
Rotated letter stimuli of the sort used by Cooper & Shepard (1973).
Cooper (e.g, 1975, 1976) também fez várias experiências sobre a rotação mental de polígonos irregulares complexos, como os da figura 3, e alguns destes trabalhos dependiam de os sujeitos serem explicitamente aconselhados a formar e rodar imagens mentais dos polígonos (cuja forma eles tinham memorizado anteriormente). Mais uma vez, foi encontrada uma dependência linear do tempo de reação sobre o ângulo, sugerindo uma rotação suave e regular de uma imagem. Uma vantagem das instruções explícitas de imagens usadas nestes experimentos é que forja uma ligação mais explícita entre os resultados medidos e as imagens como uma experiência de consciência sob controle voluntário. Por outro lado, abre a possibilidade muito real de que os resultados possam ser explicados pelo resultado da “demanda experimental” (essencialmente, os sujeitos tentando deliberadamente produzir os resultados que acreditam que os experimentadores querem, independentemente dos processos cognitivos reais subjacentes envolvidos – ver Suplemento: O Problema das Características da Demanda em Experimentos de Imagens). Isto é bem conhecido pelos psicólogos como um problema muito real em muitas áreas de pesquisa psicológica experimental (Orne, 1962), e tem se mostrado particularmente problemático em pesquisas de inimageria deste tipo (Intons-Peterson, 1983). Contudo, quando estes experimentos de Cooper são tomados em conjunto com os outros experimentos de rotação que não usaram instruções explícitas de imagens, e deram pouca base para a demanda experimental influenciar os resultados (por exemplo, Shepard & Metzler, 1971; Shepard & Cooper, 1973) (e outros experimentos não discutidos aqui: veja Shepard & Cooper et al, 1982) eles fazem um caso poderoso para a realidade e robustez do fenômeno da rotação mental.
Figure 3
Exemplos de polígonos irregulares usados em experimentos de rotação mental por Cooper (1975, 1976).
Experimentos de rotação mental do Shepard original &Desenho de Metzler(1971) (ou variantes do mesmo), são quase únicos entre as imageryexperiments na medida em que não dependem nem de relatórios verbais dos assuntos, nem de instruções verbais explícitas para usar imagens no desempenho da tarefa experimental. Assim, podem ser adaptados para utilização com sujeitos animais, levantando a possibilidade de proporcionar uma visão directa para a ocorrência de imagens em animais não humanos. Os resultados das tentativas para o fazer, no entanto, tanto com aves (pombos) como com várias espécies de macacos, têm sido no mínimo mistos, e no mínimo decepcionantes (Hollard & Delius, 1982; Rilling &Neiworth, 1987, 1991; Georgopoulos et al, 1989; Hopkinset al., 1993; Vauclair et al., 1993; Delius &Hollard, 1995; Köhler et al., 2005; Burmann etal., 2005; Nekovarova et al., 2013). Notavelmente, as evidências mais plausíveis de que qualquer animal pode usar a estratégia de rotação mental, e assim provavelmente experimentar imagens, vêm do trabalho com leões marinhos (Mauck & Dehnhardt, 1997; Stich et al.,2003).
Por outro lado, o efeito não parece depender especificamente do imaginário visual: foi demonstrado em sujeitos humanos congénitos (Marmor & Zaback, 1976; Carpenter &Eisenberg, 1978), que geralmente acredita-se que não experimentam imaginário visual, e assim presumivelmente rodam em imagens hápticas ou cinestésicas. As habilidades de rotação mental também têm sido estudadas em bebês (Örnkloo & von Hofsten, 2007), idosos (Dror etal., 2005) e em pessoas com problemas neurológicos (Courboiset al., 2004; Hinnell & Virji-Babul, 2004), e diferenças relacionadas à idade, sexo e até mesmo à orientação sexual no seu desempenho têm sido investigadas (por exemplo, Richardson, 1994; Terlecki &Newcombe, 2005; Levin et al., 2005; Quaiser-Pohl etal. 2006; Maylor et al., 2007; Joanisse etal., 2008). Além disso, o conceito de rotação mental tem sido aplicado a questões práticas que vão desde a melhoria da técnica cirúrgica (Conrad et al., 2006) à compreensão e tratamento da dislexia (Russeler et al., 2005).
Controversa continua sobre os mecanismos subjacentes da rotação mental (como da imagem em geral), mas estes têm sido recentemente investigados por várias técnicas neurocientíficas, tais como medidas de movimento ocular (de’Sperati, 2003), registro direto de fromelectrodos implantados no cérebro (Georgopoulos et al.,1989), ressonância magnética funcional (fMRI) (por exemplo, Cohenet al., 1996; Richter et al., 2000; Creem etal., 2001; Koshino et al., 2005; O’Boyle etal., 2005), EEG (Prime & Jolicoeur, 2010), e estimulação transcraniana magnética (Ganis et al., 2000). Algumas dessas pesquisas têm sido focadas em “imagens motoras” (Jeannerod,1994), em vez de imagens visuais. De fato, tem sido sugerido que processos motores e áreas motoras do cérebro podem estar envolvidos na rotação mental de forma bastante geral (Kosslyn, 1994; Wexler, Kosslyn &Berthoz, 1998; Wohlschläger, 2001; Tomasino et al.,2005; Amorim et al., 2006; Eisenegger et al., 2007; mas veja Flusberg & Boroditsky, 2011).