No ano 14 d.C., há dois mil anos atrás, neste verão, o imperador Augusto, tendo dominado Roma por mais de quarenta anos, finalmente deu o seu último suspiro. O novo imperador era o seu enteado Tibério. Enquanto o feito de Augusto em terminar a guerra civil e discretamente transformar uma república em governo de um só homem provoca uma admiração rancorosa até mesmo daqueles que não estão interessados na autocracia, Tibério tem muito poucos fãs. A biografia de Suetonius, a terceira em suas doze Vidas dos Césares, oferece algumas intrigantes idéias sobre o porquê disso.
Descendente de uma das famílias mais nobres de Roma, Tibério, em meados dos seus 50 anos, quando chegou ao poder, tinha liderado uma série de campanhas militares de enorme sucesso, se bem que pouco visíveis, assegurando a Panónia (mais ou menos a Hungria moderna) no leste e fazendo muito para estabilizar a área problemática em torno do Reno, no norte. Ele adorava literatura, filosofia e arte. Ele era exatamente o tipo de homem que tinha dominado os escalões superiores do senado sob a república – um tipo muito tradicional de líder romano, pode parecer.
Mas entre os comentadores antigos apenas Velleius Paterculus, que escreveu durante o seu reinado, tem muito bom a dizer. Suetonius, em sua biografia, e Tacitus, em seus Anais, oferecem uma ladainha de críticas condenatórias. Tibério, ele próprio um grande respeitoso da tradição, um rígido defensor do procedimento adequado, parece ter achado sua posição – como não plenamente reconhecido autocrata, esperado para exercer o domínio pessoal através do que se supunha ser o antigo quadro republicano – profundamente desconfortável. Ao contrário de Augusto, ele não tinha qualquer desejo de desenvolver uma relação calorosa com o povo comum de Roma. (Suetônio deixa claro seu total desinteresse pelos jogos – um indicador revelador). Nenhum dinheiro foi gasto em obras públicas. Ele se desviou entre insistir que o Senado se comportasse de forma independente e deixar cair pistas crípticas sobre como ele queria que ele votasse. Mas o seu principal crime, aos olhos de alguns críticos antigos, era desertar Roma.
Em 26 AD, doze anos depois de seu reinado, Tibério se retirou para a ilha de Capri, para nunca mais voltar à cidade. Isto era para parecer um retorno ao governo senatorial? Durante os onze anos seguintes, o controle imperial foi exercido remotamente, em sua maioria através de Sejano, prefeito da guarda pretoriana. Entre os muitos romanos proeminentes condenados por traição naqueles anos estavam membros da própria família de Tibério, incluindo a viúva e dois filhos mais velhos de seu sobrinho Germanicus. Eventualmente Sejano também acabou sendo um cadáver no Tibério, levando consigo, ao cair, muitos que esperavam lucrar associando-se ao capanga do imperador. Este banho de sangue reflete a crueldade inata de Tibério, assim como sua insegurança – mas Suetônio também destaca outros vícios.
A sua biografia começa com alguma história familiar – um saco misto de Claudianos anteriores, homens e mulheres, alguns famosos por sua virtude, outros notórios por sua arrogância e depravação. Suetonius então traça o início da vida de Tibério, sua distinta carreira militar, sua adesão e as medidas largamente positivas que ele tomou nos primeiros anos de seu reinado. Mas o capítulo 33 dá pistas sombrias sobre o assassinato do personagem, que se seguirá: “Ele só gradualmente mostrou que tipo de imperador ele era”. Este movimento prefigura os comentários que Suetônio faz em suas Vidas de Calígula (cap.22: ‘A história até agora tem sido de Calígula o imperador, o resto deve ser de Calígula o monstro’) e Nero (o final do cap.19 prepara o leitor para ‘os atos vergonhosos e crimes com os quais doravante estarei preocupado’). Para Suetônio, o personagem, embora possa ser temporariamente mascarado, não está sujeito a mudanças ou desenvolvimento.
Suetônio observa que a retirada de Tibério significou que o governo provincial foi negligenciado, mas as histórias da depravação do imperador recebem muito mais atenção. Uma vez em Capri, Tibério ‘finalmente cedeu a todos os vícios que ele havia lutado tanto para esconder’. A sua bebida era lendária, a sua vida sexual excedia as piores imaginações. Rodeado de obras de arte sexualmente explícitas, Tibério era viciado em todo tipo de perversão, com meninos, meninas – até mesmo crianças pequenas. As acusações relacionadas com o sexo oral teriam despertado um ódio particular por parte dos leitores romanos. Os apetites de Tibério eram pouco humanos; “as pessoas falavam da velha toca do bode – fazendo uma peça sobre o nome da ilha”. O que Tibério realmente aprendeu? Histórias deste tipo faziam parte da moeda comum do discurso político romano. Suetonius dedica um espaço semelhante às transgressões sexuais de Calígula, Nero e Domiciano – tal comportamento é de se esperar de um tirano. O afastamento da residência do próprio imperador deve ter alimentado as imaginações mais lúgubres de Roma. Emblemático da posição impossível de Tibério é a sua relação com a sua mãe Lívia. Se ela não fosse a esposa de Augusto de muitas décadas, Tibério nunca teria tido sucesso no poder. Suetonius sublinha repetidamente o papel-chave de Lívia na promoção do seu filho. Ela persuadiu Augusto a adotá-lo, após a morte de seus dois netos adultos. Ela ajudou a assegurar que um candidato rival fosse eliminado. Mesmo depois de Tibério ter sucedido a Augusto, Lívia continuou a ser uma força a ser considerada: “ele ficou zangado com a sua mãe Lívia com o argumento de que ela reclamou uma parte igual do seu poder”. Mas talvez devêssemos ser tão cautelosos com relação a estas histórias quanto com aquelas sobre os gostos sexuais de Tibério. Que melhor forma de os críticos de Tibério o minarem do que alegar que este militar experiente no final da meia-idade precisava de conselhos da sua mãe? Tais afirmações teriam talvez sido especialmente ofensivas para alguém da visão ultra-tradicional de Tibério. Os senadores que se propuseram honrá-lo com o título de “Filho de Lívia” sabiam como atormentar o imperador. De facto Suetonius relata histórias que a principal razão pela qual Tibério deixou Roma para Capri foi para se afastar da sua mãe.
Image credits: (1) Siemiradzki Orgy on Capri por Henryk Siemiradzki, 1881. Domínio público via Wikimedia Commons (2) Tiberius Claudius Nero Caesar (42 a.C. – 37 d.C.). De: H.F. Helmolt (ed.): History of the World. Nova York, 1901. Galeria de Retratos da Universidade do Texas. Domínio público via Wikimedia Commons.